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O Mito como arcano primacial do Espírito

1. O Mito como modalidade específica do Espírito

[publ. Hermes ou a Experiência da Mediação (Comunicação, Cultura e Tecnologias), Lisboa, Comunicação, Lda, 2004, pp.44-59]

O mito representa, também ele, um ‘ponto de vista’ unificante da consciência (einen einheilichen ‘Blickpunkt’ des Bewusstseins), mesmo se não se limita a qualquer domínio particular entre as coisas ou os processos e se penetra e abarca a totalidade do ser, e mesmo se toma como instrumentos os poderes espirituais (geistige Potenzen) mais diversos. (…) Importa apreender esta ‘modalidade’ particular do mito e compreender-lhe as condições. (E. Cassirer)

Como se referiu antes, foi o contacto com a problemática do mito, através dos materiais históricos coligidos por Aby Warburg, que veio provocar (ou acelerar) a necessidade de fundamentação de um novo tipo de criticismo, mais amplo que o proposto por Kant. Foi a partir deste contacto com os ‘totalmente Outro’ que Cassirer perspectivou o mito como a primeira forma cultural humana, como a ‘forma simbólica’ por excelência, estruturadora das primeiras experiências da consciência humana. No entanto, desde logo, Cassirer recusou todas as teorias que fazem do mito um produto da imaginação pré-lógica (Lévy-Bruhl) ou uma manifestação patológica da mente (Freud) ou da linguagem (Max Müller). Cassirer critica, desde cedo, todos aqueles que tendem a ver no mito algo de arracional, irracional ou demoníaco. Tal concepção implica o conceito de uma lógica ‘totalitária’ , de uma lógica que apenas compreende o mundo sob o ponto de vista (‘Blickpunkt’) de uma cientificidade do idêntico . Ora, o mito representa os sentimentos mais imediatos do mundo humano, entendendo a Natureza como extensão da humanidade. Para os arcaicos, a Natureza possui o carácter fisionómico do mundo. É assim que

devemos definir o mito, não segundo uma interpretação teorética ou causal do universo, mas como uma interpretação fisionómica. Tudo no pensamento mítico assume uma fisionomia especial. (…) O mito (…) não interpreta a natureza em termos do nosso pensamento empírico usual ou em termos de física. Interpreta-a mais em termos da nossa experiência fisionómica. E nada parece ser mais instável e flutuante que esta experiência. (E. Cassirer)

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