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"Prolegómenos a uma fenomenologia da genialidade: Em torno da melancholia saturnina"

[Prefácio a Ermelinda Maria Araújo Ferreira e Maria do Carmo Nino (orgs) (2012), Literatura e Medicina, Recife: Ed. Universitária/UFPE: 17-30  ISBN 978-85-415-0065-4]

 

O génio é a loucura que a diluição no abstracto converte em sanidade, tal como um veneno é convertido em medicamento através da mistura.

Fernando Pessoa (“Erostratus”)


Embora os mares ameacem, são misericordiosos. Amaldiçoei-os sem razão.

Shakespeare, A Tempestade


O príncipe é o paradigma do melancólico.

Walter Benjamim



Em primeiro lugar, agradecemos ao Núcleo de Estudos em Literatura e Intersemiose (NELI/CNPq), coordenado pelas professoras doutoras Ermelinda Ferreira e Maria do Carmo Nino, o honroso convite para prefaciarmos esta revista pioneira sobre Literatura e Medicina, a qual espelha o longo e profundo trabalho desenvolvido no quadro dos seminários e disciplinas ministradas no Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de Pernambuco (PPGL/UFPE) no período de 2010/2011.


Na célebre “Carta sobre a genese dos heterónimos”, como é sabido, Pessoa distingue entre o que designaríamos por “génese orgânica” e por “génese transcendental”. No primeiro caso, a heteronímia assenta na dimensão histero-neurasténica; no segundo, na dimensão filosófica, simbólica, gnóstica, esotérica e alquímica. Ora, em traços largos, como demonstrámos em inúmeras investigações e ensaios, a limite, os mecanismos de outrar(-se) e o processo heteronímico, nas suas diversas “afinações” e matizes, passando pela Filosofia sanatorial, dimensiona o “estado de genialidade” que germina (de forma diluída?) e brota (medicinal e homeopaticamente!) do cadinho alquímico em que habita o sentimento de melancholia, constituindo-se, por isso mesmo, na própria base de uma Teoria Estética e Filosofia da Arte! Ou seja, dito de forma clara, transparente e directa, a nosso ver, as relações entre “Literatura e Medicina”, no contexto da(s) hermenêutica(s) ao pensamento e obras pessoanas, longe de partirem de um “caso clínico”, deverão ser encaradas no que se poderá designar por “fenomenologia da genialidade”, base de uma sã e pregnante (Cassirer) teoria da criação estética. O que fala no (e através do) texto é a voz de uma genialidade (por vezes, fragmentariamente, in status nascendi – daí o elogio, hipertextual (!), de uma filosofia do fragmento em Pessoa, até por via da própria diversidade material da(s) escrita(s) e suportes que utiliza) que, por “não ser normal ser-se génio” (Pessoa), se epifaniza na tal loucura sã da Arte em geral e da Literatura e Filosofia em particular. Aliás, poderíamos mesmo ir mais longe e dizer que é isto que faz, inclusive,

que alguma Filosofia possa mesmo ser concebida como “Literatura Superior” (ou, se se preferir, como a “forma Superior de Literatura”). O sentimento melancólico surge, assim, como um dos motores essenciais à evolução criadora (Bergson). Vejamos.

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